Justiça investiga envolvimento de Sarney com grilagem de terras
POR ANDREI MEIRELES e MATHEUS LEITÃO
Pericumã é o nome do principal rio de Pinheiro, a cidade no interior do Maranhão onde nasceu o presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP). Pericumã foi também o nome usado por Sarney para batizar uma fazenda de 520 hectares que ele adquiriu na divisa entre o Distrito Federal e Goiás, localizada a 50 quilômetros de Brasília. O nome completo da fazenda é São José do Pericumã. Também é chamada de sítio Pericumã e adquiriu notoriedade durante os anos em que Sarney foi o inquilino do Palácio do Planalto, entre 1985 e 1990. Recém-empossado na Presidência da República, Sarney dirigiu, ele próprio, o carro até a fazenda, arrastando atrás de si a imprensa que fazia a cobertura do Planalto.O Pericumã era o local de refúgio de Sarney nos fins de semana e, às vezes, servia também para encontros políticos reservados e conversas delicadas. Em 2002, na esteira do caso Lunus, que tirou a filha Roseana Sarney do páreo pela Presidência da República, a fazenda voltou ao noticiário. Foi anunciada a sua venda como medida necessária para a família Sarney poder pagar o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, famoso em Brasília por sua clientela entre os políticos e que defendera Roseana no caso Lunus. Dois anos depois, ao ser flagrado ao retirar R$ 2,2 milhões na véspera da intervenção, pelo Banco Central, no Banco Santos, de seu amigo Edemar Cid Ferreira, Sarney disse que o dinheiro investido fora obtido com a venda do Pericumã.Com a sequência de escândalos e histórias suspeitas em que Sarney se viu envolvido desde sua eleição para a presidência do Congresso em fevereiro, a fazenda voltou ao foco. Época buscou a história do Pericumã em cartórios, juntas comerciais e na Justiça e descobriu que Sarney está metido num imbróglio jurídico e imobiliário de razoáveis proporções. A rigor, pelo que estabelece a legislação brasileira, a propriedade de Sarney sobre as terras do Pericumã nunca teve reconhecimento legal. A aquisição e a venda dos 520 hectares do Pericumã constam de escrituras de compra e venda, registradas em vários cartórios em Brasília e até em São Luís, no Maranhão. Mas, pela lei, a propriedade de um imóvel só é reconhecida quando registrada em um cartório de imóveis.No caso do Pericumã, os registros deveriam ter sido feitos no Cartório de Registro de Imóveis e Tabelionato de Notas de Luziânia, município goiano vizinho a Brasília. Época fez uma consulta ao cartório. Recebeu uma certidão de que não há nenhum registro das terras do Pericumã em nome de Sarney – nem para a compra nem para a venda. Mesmo sem o registro das terras, Sarney, por meio de sua assessoria, diz ter pago todos os impostos quando vendeu a propriedade em 2002.“Quando você compra um carro vira dono dele com o certificado de registro de veículo, mesmo que a transferência não seja comunicada ao Detran. No caso de imóveis, a propriedade só é legal depois do registro no cartório”, afirma o juiz Carlos Eduardo Batista dos Santos, da Primeira Vara Cível de Família, Órfãos e Sucessões de Santa Maria, cidade-satélite de Brasília, próxima a Luziânia. O juiz Batista dos Santos conduz um processo em que Sarney e sócios tentam legalizar parte das terras do Pericumã. É uma área equivalente a 146 hectares. No processo, em curso desde 2008, Sarney tenta obter uma decisão judicial que diga que ele é o verdadeiro dono das terras, sem precisar fazer uma demarcação nem levantar o histórico da cadeia patrimonial da propriedade. Ele e outros sócios querem construir um condomínio de luxo no local.Sarney quer demonstrar a posse das terras por meio de usucapião – um instrumento jurídico tradicional em que se mostra a aquisição do imóvel por seu uso prolongado ou sem interrupção. Na noite da quinta-feira 30 de julho, o juiz Batista dos Santos mandou investigar se nas terras reclamadas por Sarney não houve uma grilagem de áreas públicas. Para se certificar disso, o juiz intimou os governos federal e do Distrito Federal e os vizinhos do Pericumã a prestar informações.
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